Quem, de alguma forma, já não tentou fugir de si mesmo?
Quem já não ficou tão insatisfeito consigo que não pensou em fazer as malas e ir para bem longe do seu próprio eu? Apenas Narciso, e isso é um mito, gostou tanto dele que até se apaixonou por si mesmo; e Lúcifer, que gostava tanto de si que achou mesmo que poderia ser igual ou superior ao próprio Deus.
Embora consciente das controvérsias, estruturarei meus argumentos na premissa de que alguém que está muito satisfeito consigo mesmo poderá, na verdade, estar vivendo uma fantasia sobre o seu próprio eu!
Comumente, pessoas satisfeitas com o eu próprio tendem a achar que o mundo não conseguirá ir para frente sem elas! Essas acharão que em qualquer setor de atividade suas faltas farão com que nada acontecerá direito. Elas condicionarão o sucesso ou o fracasso de qualquer empreendimento se fizerem ou não parte deles!
De modo trágico, quem está muito satisfeito consigo pode não ser, de fato, alguém que é conhecido de si mesmo! Este poderá, de maneira súbita, descobrir características e nuances de alguém que ele julgou nunca ter sido, e será trágico, sim, porquanto essa pessoa poderá não saber lidar com o lado obscuro, imperfeito, e decaído do ser, que sempre estivera ali e, o que é pior, sempre fora conhecido dos outros.
O grande escritor e ensaísta americano, Ralph Waldo Emerson, em uma de suas publicações, disse algo absolutamente interessante sobre essa revolta interior, sobre essa insatisfação com o eu próprio, notem:
“Faço as malas, abraço os amigos, embarco em um navio e finalmente acordo em Nápoles; e ali, ao meu lado, vejo o Fato Sombrio, o Eu Triste, implacável, idêntico, do qual eu fugira.”
Ele deixou os amigos e foi para Nápoles empreendendo uma fuga de si mesmo e é obrigado a enfrentar a dura realidade de que o seu eu o acompanhou!
A expectativa de que no “lugar dos sonhos” encontraremos satisfação conosco mesmos é romântica, ilusória e mentirosa até.
Parecerá infantil e simplista dizer, mas, aonde formos ali encontraremos nós mesmos! Sempre levaremos conosco o nosso eu, e essa verdade poderá ser a maior tragédia na vida de um ser humano que não a compreende!
Não admitir a fragilidade e a vulnerabilidade do eu próprio, e que ele precisa ser conhecido, enfrentado e trabalhado fará com que troquemos de amigos, de relacionamentos, de lugares, de profissão, na esperança de que a satisfação interior surja dessas mudanças!
Mas insisto! Aonde formos encontraremos nós e as nossas imperfeições, nós e os nossos maus hábitos, nós e o nosso egoísmo, nós e as nossas deformações horrorosas!
Mas e aí? Será que não haverá jeito para nós? Será que somos um caso perdido?
Não para o nosso Deus, que sabe exatamente como Ele criou os nossos primeiros pais, que sabe exatamente como seríamos não fosse a queda deles, e que sabe exatamente qual o projeto que Ele tem para nós em Cristo Jesus.
Para Deus, agora, somos seres em construção! Em Cristo Jesus nossas possibilidades se descortinam de uma forma esplendorosa, porquanto, nEle, o nosso eu próprio pode ser completamente reestruturado!
É por isso que o apóstolo Paulo, aquele que disse “desventurado homem que sou”, aquele que disse que “não fazia o bem que queria”, mas o “mal que não queria” – pense num ser estranho e imperfeito esse, ele vai dizer, ou melhor, ele vai bradar:
“…logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim.” Gl 2:20
Esse “Cristo vive em mim” significa dentre outras coisas, que a despeito das deformidades do nosso eu seremos orientados, dirigidos e usados por Aquele que tem toda habilidade em pegar vasos defeituosos, colocá-los novamente na roda, e transformá-los em utensílios úteis e belos para a Sua glória.
Agora sim, conhecendo nossa fraqueza e reconhecendo as possibilidades que temos em Cristo, antevemos uma longa jornada para percorrermos na certeza de que avançaremos com sucesso, pois o nosso eu cheio de deformações será transformado por Aquele que não tem nenhuma, e tem, sim, poder para operar a despeito das nossas.
Finalizando, poderíamos dizer que a satisfação com o nosso eu próprio somente será saudável se ela advém ou é resultado da operação transformadora do Espírito Santo de Deus em nossas vidas.
“Posso todas as coisas nAquele que me fortalece”.
Pr. Élio Morais